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Curso 16 - Uso de ferramentas e tradições culturais em primatas não-humanos

Curso 16 - Uso de ferramentas e tradições culturais em primatas não-humanos

Ministrantes:
Eduardo Ottoni (Universidade de São Paulo)

Dia 21 de Outubro (terça-feira) das 14h00 às 18h00

 

RESUMO:

O uso de ferramentas já foi considerado uma característica definidora da "natureza humana", em contraposição ao resto do reino animal. Entretanto, conforme a amplitude da definição adotada, varia o "panorama" do uso de ferramentas entre os animais não-humanos. O uso de ferramentas não implica necessariamente em cognição complexa, podendo consistir de comportamentos razoavelmente estereotipados e "típicos-da-espécie", como no caso das aranhas Ariadna, que usam pedrinhas de quartzo para captar as vibrações das presas. Dentre os vertebrados não-mamíferos, destacam-se algumas espécies de aves, como os corvos da Nova Caledônia (Corvus moneduloides), que produzem "ganchos" e "espátulas" a partir de folhas para extrair larvas de troncos de árvores. Neste caso, como no das araras azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), os estudos em laboratório ou cativeiro têm mostrado uma predisposição "inata" da espécie para o uso de ferramentas, que parece independer, em grande parte, de aprendizagem socialmente mediada. Neste sentido, são comportamentos bastante distintos dos casos de uso de ferramentas por primatas não-humanos. O uso plástico e criativo de objetos pelos chimpanzés (Pan troglodytes) e demais hominideos não-humanos - bonobos (Pan paniscus), gorilas (Gorilla gorilla) e orangotangos (Pongo pygmaeus)  - na solução de problemas no laboratório (ou em ações espontâneas em outros contextos antrópicos) revelou muito sobre as capacidades cognitivas individuais nestas espécies, mas envolve situações artificiais e a influência humana direta. Ao contrário do observado no cativeiro, entretanto - onde, em condições adequadas, diversas espécies de primatas eventualmente se valem de objetos extra-corporais na solução de problemas - o uso significativo de ferramentas na natureza aparentemente se restringia aos chimpanzés. Com a multiplicação dos estudos de campo de longa duração, foram observadas algumas formas simples e esporádicas de uso de ferramentas por gorilas e bonobos. A diversificação dos repertórios de uso de ferramentas das diversas populações de chimpanzés não parece ser explicável apenas em termos de diferentes oportunidades ou coerções ambientalmente ou geneticamente determinadas, sugerindo um papel determinante de processos de aprendizagem socialmente mediada no estabelecimento de “toolkits” diversificados – que constitui diferentes tradições comportamentais. No caso dos orangotangos, a constatação de uso costumeiro de ferramentas apenas em algumas populações atipicamente gregárias mostrou a importância da proximidade social para ocorrência destes comportamentos, evidenciando o seu caráter cultural. Se as observações naturalísticas sobre a utilização de ferramentas por chimpanzés nos levaram a repensar uma série de concepções tradicionais quanto ao caráter "único e exclusivo" das capacidades tecnológicas humanas, a descoberta de comportamentos similares em uma espécie de macaco do Velho Mundo (Macaca fascicularis, o macaco cinomolgo) e um gênero de primata do Novo Mundo, os macacos-prego de topete (Sapajus spp), nos leva, por sua vez, a questões mais amplas, que apontam para as condições e mecanismos cognitivos, ecológicos e sociais que favorecem o seu surgimento. A persistência material das ferramentas no ambiente cria possibilidades de aprendizagem social que se estendem para além do momento da sua utilização (observação direta do comportamento), sob a forma de “realce de estímulo” (stimulus enhancement), propiciando o estabelecimento de tradições comportamentais tecnológicas.

 EVO - Psicologia Evolucionista